sábado, 1 de maio de 2010

O Estado e o dever de proteção à dignidade do condenado - pelo cumprimento da pena justa

A condenação penal é ato do Estado que, diante do caso concreto, das circunstâncias do crime e das características do acusado, reconhece o delito previsto na norma e fixa o quantum da pena, e por conseqüência determina o regime de seu cumprimento e a multa, se prevista. As medidas condenatória e executória da pena, contudo, não podem se dissociar dos direitos constitucionalmente protegidos.
A supremacia da constituição é forma adotada pelo Estado que coloca a Carta como lei fundamental, denotando a existência de procedimentos especiais para sua formação e garantia, que pode se dar, inclusive, através de princípios e a interpretação constitucional dada pelo Supremo Tribunal Federal diante das mudanças sofridas na sociedade – mutação constitucional. Paulo Bonavides aponta que:

"o ponto central da grande transformação por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta, inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade dos princípios constitucionais".1

O ponto fulcral de efetividade da pena é a reinserção do preso à sociedade. Para que isto ocorra a contento, mister a cooperação do Estado em prover os recursos suficientes para manutenção do sistema carcerário e fiscalizar a execução penal em seus estabelecimentos, fazendo convênios para profissionalização dos acautelados, estimular o ensino religioso e educacional, para que, uma vez colocado de volta ao meio social não sofra tanta dificuldade em se readaptar.
Medidas como as adotadas pelo Poder Judiciário, juntamente com a Defensoria Pública, em alguns Estados em prover o mutirão carcerário2 para identificar os presos, tempo de custódia e o prazo para concessão progressiva de cumprimento da pena, tem ajudado na efetividade da justiça – em seu sentido lato, bem como atende aos princípios vetores da execução penal, todos com base nos princípios constitucionais da dignidade humana (art. 1.,III da CF/88) e do contraditório e da ampla defesa.
O condenado pode ter alguns direitos restritos, mas não pode ser-lhe afastada a dignidade. A pena não pode ser degradante, cruel, de banimento, perpétua ou de morte, devendo ser proporcional ao delito cometido, às circunstâncias de tempo e lugar do crime, à primariedade e aos bons antecedentes.
A evolução do regime prisional é direito do condenado, sendo dever do Estado fiscalizar a execução criminal – tempo e modo de cumprimento da sentença condenatória transitada em julgado – sob pena de responsabilidade civil, uma vez que o cumprimento além do prazo ou sem observar a progressão regimental configuram atos atentatórios à dignidade da pessoa humana.
O princípio da humanidade das penas ou da humanização, especial à Lei de Execuções Penais, está previsto no artigo 5., XLVII e XLIX da Constituição Federal. Em razão dele deve ser dado ao preso a oportunidade de cumprir a determinação do Estado de forma digna, com acesso à educação, saúde e fomentação ao trabalho, sendo este último importante critério redutor do tempo de cumprimento de pena, uma vez que a remição está disposta no artigo 126, parágrafo único da LEP, e deve ser remunerado na forma do artigo 29 da LEP.
O processo de execução da pena é jurisdicionalizado e, por conseqüência, devem ser utilizados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Em caso de descumprimento de pena restritiva de direitos, por exemplo, deve ser oportunizada ao condenado a apresentação de sua justificativa; assim, na aplicação de qualquer tipo de sanção disciplinar ou jurisdicional, deve o magistrado ouvir as partes interessadas – sentenciado e Ministério Público – antes.

1BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10a.ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.260.
2O mutirão carcerário foi criado em 2008 por iniciativa do presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, na época o Min. Gilmar Mendes, e desde sua adoção (agosto) até abril de 2010, promoveu a expedição de 20 mil alvarás de soltura para presos que já haviam cumprido a pena e continuavam acautelados e os que estavam privados de sua liberdade ilegalmente. Além disso, foram deferidos 14.600 benefícios de progressão de regime para semiaberto ou aberto, o que reduz satisfatoriamente a população carcerária. Tais medidas estão de acordo com a proteção ao princípio da vedação da pena indigna, uma vez que a superlotação nos presídios traz ínsita a degradação humana, e ao princípio da dignidade humana sob o mesmo fundamento, além de preservar a legalidade estrita, pois privação de liberdade sem fundamento ou por prazo expirado constitui a marginalização do Direito em que o excesso é punível.

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